sexta-feira, 30 de outubro de 2009

robert musil vs nebulo

se quisermos passar sem problemas por portas abertas,
é bom não esquecer que elas têm ombreiras sólidas; este
princípio segundo o qual o velho professor sempre tinha
vivido, mais não é do que uma exigência do sentido de
realidade. ora, se existe um sentido de realidade - e nin-
guém duvidará de que ele tem direito à existência - , en-
tão também tem de haver qualquer coisa a que possamos
chamar o sentido de possibilidade.
aquele que o possui, não diz, por exemplo: isto ou aquilo
aconteceu, vai acontecer, tem de acontecer aqui, mas in-
ventará: isto ou aquilo poderia, deveria, teria de aconte-
cido aqui. e quando lhe dizem que uma coisa é como é,
ele pensa: provavelmente, também poderia ser diferente.
assim, poderia definir-se o sentido de possibilidade como
aquela capacidade de pensar tudo aquilo que também po-
deria ser e de não dar mais importância àquilo que é do
que aquilo que não é. como se vê, as consequências desta
disposição criadora podem ser notáveis; infelizmente, não
é raro que façam aparecer como falso aquilo que as pes-
soas admiram e como lícito aquilo que elas proíbem, ou
então as duas coisas como sendo indiferentes. esses ho-
mens do possível vivem, como se costuma dizer, numa
trama mais subtil, numa teia de névoa, fantasia, sonhos
e conjuntivos; se uma criança mostra tendências destas,
acaba-se firmemente com elas, e diz-se-lhe que tais pes-
soas são visionários, sonhadores, fracos, gente que tudo
julga saber melhor e em tudo põe defeito.
quando se quer elogiar estes loucos, chama-se-lhes tam-
bém idealistas, mas é claro que com isso só se alude à
natureza débil, incapaz de compreender a realidade, ou
que evita por melancolia, uma natureza na qual a falta
do sentido de realidade é um verdadeiro defeito.
o possível, porém, não abarca apenas os sonhos dos neu-
rasténicos, mas também ainda os desígnios ainda ador-
mecidos de deus. uma experiência possível ou uma ver-
dade possível não são iguais a uma experiência real e
uma verdade real menos o valor da sua realidade, mas
têm, pelo menos do ponto de vista dos seus partidários,
algo de muito divino, um fogo, um ímpeto, uma vontade
de construir e um utopismo consciente que não teme a
realidade, antes vê nela uma missão e uma invenção.

- robert musil -

(o homem sem qualidades)


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- nebulo -
(wen)

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