oco
i
escondia-se num dos lugares mais cerrados de
vegetação, o pesadelo das plantas tropicais como
disfarce, e ali ficava até de madrugada abraçando
as árvores, como se no seu sangue não tivesse cres-
cido uma outra seiva, um fel que doía mesmo nos in-
suspeitos momentos em que o paraíso rondava perto.
o único bálsamo era este exercício de extrema igno-
rância e desusada ternura pela rugosidade de um
tronco que se abraça, pela temperatura das formas,
pela densidade das folhas que sobre si desabavam.
mas com a primeira luz, o prodígio cessava, e a dor
extinta regressava. lembrou-se de uma palavra que o
encantara na adolescência. agora já não produzia
qualquer sobressalto em si. era apenas uma palavra
a ressumar afectações antigas, lembranças menos no-
bres, inseguros acolhimentos. "como foste inocente,
ó alba antes do nome". seguir-se-ia o proverbial
hábito de dissimulação, e a negra bílis pouco a
pouco , gota a gota, reuniria de novo o desgosto.
ii
alguns anos depois - não se sabe quantos - regressou
àquele lugar - integralmente curado, como lhe disse-
ram - e as árvores, antes frondosas, estavam mortas
ou agonizantes. não sentiu o mais pequeno sinal de
nostalgia crescendo no oco em si. só o oco em si.
- luís quintais -
- fünkstorung -
(test)
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