terça-feira, 27 de outubro de 2009

fiódor dostoiévski vs senking

vejam: a razão, meus senhores, é uma excelente coisa, é ver-
dade; mas a razão não é mais do que a razão, e só satisfaz a
capacidade humana de raciocinar, ao passo que a vontade é
a manifestação da vida total; isto é, de toda a vida humana
inclusive da razão e de todos os escrúpulos possíveis. e se a
nossa vida não se revela às vezes muito nesta manifestação
apesar de tudo é a vida, e não unicamente a extracção da raiz
quadrada. porque eu, por exemplo, quero viver de uma ma-
neira completamente natural para satisfazer a minha capaci-
dade de viver e não a minha faculdade de raciocínio, que re-
presenta aproximadamente a vigésima parte da minha capa-
cidade de viver. que sabe a razão a respeito disso? a razão só
sabe aquilo que teve tempo de saber (pode ser que haja algu-
mas coisas que ela nunca venha a saber; não é muito consola-
dor dizer isto, mas porque não reconhecê-lo?), ao passo que
a natureza humana actua em massa com tudo o que nela se
contém, e quer se engane ou acerte, vive. desconfio, meus
senhores, que me estão a ouvir com piedade. que me repe-
tem que um homem instruído e inteligente, um homem, nu-
ma palavra, como deverá ser o do futuro, não poderá consci-
entemente desejar nada que seja contrário aos seus interes-
ses e que isto é assim, de maneira matemática. partilho abso-
lutamente da opinião dos senhores, aceito que é matemático.
mas repito-lhes pela centésima vez que há um caso, um só,
em que o homem pode desejar algo de nocivo, insensato e
louco. e isso acontece quando ele quer ter o direito de dese-
jar tudo quanto há de mais absurdo e emancipar-se do dever
de desejar apenas o que é digno. porque essa inépcia, essa
coisa absurda é sem dúvida o meu capricho. e, no entanto,
que poderia haver de mais proveitoso para nós do que ele,
sobretudo em certos casos? num ponto de vista particular,
essa coisa absurda pode ser mais interessante que todas as
conveniências, até no caso em que realmente nos prejudicas-
se e estivesse em conflito com as sãs conclusões da nossa ra-
zão, porque, em última análise, contém para nós aquilo que
mais apreciamos e valorizamos: a nossa personalidade e a
nossa individualidade.

- fiódor dostoiévski -
(a voz subterrânea)


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