Dostoievsky
    olhou para a filha como um homem novo olha para as pernas
de uma mulher na rua, e a filha teve medo.
    mas não tenhas medo, eu sou bom.
    e o velho disse: em tempo de guerra não disparar é oferecer
flores. em tempo de paz não oferecer flores é disparar.
    ela atravessou o pátio onde três guardas lhe apontavam
uma arma e imaginou em cada guarda um homem que lhe
estendia um ramo de flores. mas duas armas dispararam e só
uma não disparou.
- gonçalo m. tavares -
- nils Økland -
(mono)
terça-feira, 29 de setembro de 2009
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
carlos de oliveira vs the tallis scholars
sono
dormir
mas o sonho
repassa
duma insistente dor
a lembrança
da vida
água outra vez bebida
na pobreza da noite:
e assim perdido
o sono
o olvido
bates, coração, repetes
sem querer
o dia?
- carlos de oliveira -
- the tallis scholars -
(allegri - miserere)
dormir
mas o sonho
repassa
duma insistente dor
a lembrança
da vida
água outra vez bebida
na pobreza da noite:
e assim perdido
o sono
o olvido
bates, coração, repetes
sem querer
o dia?
- carlos de oliveira -
- the tallis scholars -
(allegri - miserere)
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sexta-feira, 25 de setembro de 2009
ezra pound vs jon balke
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
gonçalo m. tavares vs jonny greenwood
albert camus
    calado entrou na sala ruidosa assustando com a sua imobilidade
e mudez aqueles que gritavam e davam murros na mesa.
    todo o homem que entra traz um segredo. mas o homem que
entra calado traz um segredo e uma força.
    calado saiu da sala de novo ruidosa. mas os homens que gritavam
e davam murros na mesa tinham agora algo mais: o medo.
    todo o homem que sai rouba um segredo aos que ficaram. e todo
o homem que sai calado leva o segredo e a força daqueles que ficaram.
- gonçalo m. tavares -
(biblioteca)
- jonny greenwood -
(trench)
    calado entrou na sala ruidosa assustando com a sua imobilidade
e mudez aqueles que gritavam e davam murros na mesa.
    todo o homem que entra traz um segredo. mas o homem que
entra calado traz um segredo e uma força.
    calado saiu da sala de novo ruidosa. mas os homens que gritavam
e davam murros na mesa tinham agora algo mais: o medo.
    todo o homem que sai rouba um segredo aos que ficaram. e todo
o homem que sai calado leva o segredo e a força daqueles que ficaram.
- gonçalo m. tavares -
(biblioteca)
- jonny greenwood -
(trench)
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quarta-feira, 23 de setembro de 2009
luigi pirandello vs fredg + paul moravec
    não nego que a loucura pudesse já estar em mim; mas peço-vos
que acreditem que esta é a única maneira de se estar verdadeira-
mente só.
    a solidão já não está com vocês; está sempre sem vocês e só é
possível com um estranho à vossa volta: lugar ou pessoa que seja,
que vos ignoram totalmente, que vocês ignoram totalmente, de
maneira que a vossa vontade, o vosso sentimento fiquem suspensos
e perdidos numa incerteza angustiante e, cessando toda a afirmação
de vocês próprios, cesse a própria intimidade da vossa consciência.
a verdadeira solidão está nesse lugar que vive por si e que para
vocês não tem rosto nem voz, e por isso nesse lugar vocês são o
estranho.
    era assim que eu queria estar só. sem mim. sem aquele eu que já
conhecia, ou julgava conhecer. só com um certo estranho, do qual
já sentia obscuramente não poder libertar-me e que era eu próprio:
o estranho inseparável de mim.
- luigi pirandello -
(um, ninguém e cem mil)
- fredg -
(unspoken words)
- paul moravec -
(scherzo)
que acreditem que esta é a única maneira de se estar verdadeira-
mente só.
    a solidão já não está com vocês; está sempre sem vocês e só é
possível com um estranho à vossa volta: lugar ou pessoa que seja,
que vos ignoram totalmente, que vocês ignoram totalmente, de
maneira que a vossa vontade, o vosso sentimento fiquem suspensos
e perdidos numa incerteza angustiante e, cessando toda a afirmação
de vocês próprios, cesse a própria intimidade da vossa consciência.
a verdadeira solidão está nesse lugar que vive por si e que para
vocês não tem rosto nem voz, e por isso nesse lugar vocês são o
estranho.
    era assim que eu queria estar só. sem mim. sem aquele eu que já
conhecia, ou julgava conhecer. só com um certo estranho, do qual
já sentia obscuramente não poder libertar-me e que era eu próprio:
o estranho inseparável de mim.
- luigi pirandello -
(um, ninguém e cem mil)
- fredg -
(unspoken words)
- paul moravec -
(scherzo)
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terça-feira, 22 de setembro de 2009
luís ene vs nicoole + tamia & pierre favre
horas felizes
1. o vento é a música de dança das árvores.
2. as chaminés não sabem que é feio apontar.
3. os copos sentem-se vazios quando ninguém bebe por eles.
4. os lápis são escritores inseguros.
5. as esferográficas são operárias especializadas.
6. os agrafadores não gostam de ideias à solta.
7. os bigodes são aprendizes de ventríloquos.
8. o rio queixou-se das margens por assédio sexual.
9. fazer a barba é afinal desfazê-la.
10. o mar inspira e expira.
11. as rosas têm licença de uso e porte de arma.
12. os candeeiros dormem de dia.
13. todos os versos são linha de fuga.
14. as horas felizes passam num instante porque se riem do tempo.
- luís ene -
- nicoole -
(hapinness)
- tamia & pierre favre -
(maroua)
1. o vento é a música de dança das árvores.
2. as chaminés não sabem que é feio apontar.
3. os copos sentem-se vazios quando ninguém bebe por eles.
4. os lápis são escritores inseguros.
5. as esferográficas são operárias especializadas.
6. os agrafadores não gostam de ideias à solta.
7. os bigodes são aprendizes de ventríloquos.
8. o rio queixou-se das margens por assédio sexual.
9. fazer a barba é afinal desfazê-la.
10. o mar inspira e expira.
11. as rosas têm licença de uso e porte de arma.
12. os candeeiros dormem de dia.
13. todos os versos são linha de fuga.
14. as horas felizes passam num instante porque se riem do tempo.
- luís ene -
- nicoole -
(hapinness)
- tamia & pierre favre -
(maroua)
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segunda-feira, 21 de setembro de 2009
antonio tabucchi vs moondog
actor:
mas onde está a poesia?
nas pedras, na erva, nos corações?
procuro-a em tudo o que existe,
até na própria matéria, mas ela é surda,
baça... indiferente.
pausa. com um tom muito irónico:
ah, a poesia, que consola
de nada se saber.
económica ilusão
de mim, de vós, da lua.
julgar sentir que o que se sente existe,
que tem uma verdade sua, um lugar seu no ser.
chego à janela,
há a cidade...
e o mundo.
mas não ouvis este rumor?
são rugidos de canhões,
a destruição, a morte,
que sobre nós pairam
comandadas pelos homens de bom senso.
não sabem que o mundo é mundo
para ser posto em dúvida, crêem,
batalham, e também nós
por isso
morremos.
muito baixo:
ou então
outra será a nossa morte,
mais paciente, com pezinhos de lã.
nada há que nos defenda
da dispersão do eterno...
qual poeira errante
vaguearemos
no vazio deste universo,
sem a menor consciência
de tudo aquilo que não fomos...
pausa.
e neste hipotético
estádio a que se chama
entretanto
buscamos a poesia...
pausa.
será isto a poesia?
viver o nosso entretanto?
será este entremez que vos recito esta noite
só porque me tolerais
e não tendes mais nada para fazer?...
este entremez faz parte
da verdadeira comédia que dia a dia
recitamos,
recitais,
e que nos espera
ao sairmos desta sala.
vai ao armário, pega na gabardina e no chapéu, avança para a porta.
- antónio tabucchi -
(chamam ao telefone o senhor pirandello)
- moondog -
(marimba mondo 2: seascape of the whales)
mas onde está a poesia?
nas pedras, na erva, nos corações?
procuro-a em tudo o que existe,
até na própria matéria, mas ela é surda,
baça... indiferente.
pausa. com um tom muito irónico:
ah, a poesia, que consola
de nada se saber.
económica ilusão
de mim, de vós, da lua.
julgar sentir que o que se sente existe,
que tem uma verdade sua, um lugar seu no ser.
chego à janela,
há a cidade...
e o mundo.
mas não ouvis este rumor?
são rugidos de canhões,
a destruição, a morte,
que sobre nós pairam
comandadas pelos homens de bom senso.
não sabem que o mundo é mundo
para ser posto em dúvida, crêem,
batalham, e também nós
por isso
morremos.
muito baixo:
ou então
outra será a nossa morte,
mais paciente, com pezinhos de lã.
nada há que nos defenda
da dispersão do eterno...
qual poeira errante
vaguearemos
no vazio deste universo,
sem a menor consciência
de tudo aquilo que não fomos...
pausa.
e neste hipotético
estádio a que se chama
entretanto
buscamos a poesia...
pausa.
será isto a poesia?
viver o nosso entretanto?
será este entremez que vos recito esta noite
só porque me tolerais
e não tendes mais nada para fazer?...
este entremez faz parte
da verdadeira comédia que dia a dia
recitamos,
recitais,
e que nos espera
ao sairmos desta sala.
vai ao armário, pega na gabardina e no chapéu, avança para a porta.
- antónio tabucchi -
(chamam ao telefone o senhor pirandello)
- moondog -
(marimba mondo 2: seascape of the whales)
quinta-feira, 17 de setembro de 2009
adolfo casais monteiro vs heinz reber
aurora
a poesia não é voz - é uma inflexão.
dizer, diz tudo a prosa. no verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. no verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
e aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:
vôo sem pássaro dentro.
- adolfo casais monteiro -
- heinz reber -
(part iii)
a poesia não é voz - é uma inflexão.
dizer, diz tudo a prosa. no verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. no verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
e aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:
vôo sem pássaro dentro.
- adolfo casais monteiro -
- heinz reber -
(part iii)
roberto juarroz vs bernardo sassetti
procurar uma coisa
é sempre encontrar outra.
assim, para achar algo,
há que procurar o que não é.
procurar o pássaro para encontrar a rosa,
procurar o amor para achar o exílio,
procurar o nada para descobrir um homem,
ir para trás para ir para a frente.
a chave do caminho,
mais do que nas suas bifurcações,
seu suspeito começo
ou seu duvidoso final,
está no cáustico humor
do seu duplo sentido.
sempre se chega,
mas a outro lugar.
tudo passa.
mas ao contrário.
- roberto juarroz -
(tradução, menino mau)
- bernardo sassetti -
(si te contara)
é sempre encontrar outra.
assim, para achar algo,
há que procurar o que não é.
procurar o pássaro para encontrar a rosa,
procurar o amor para achar o exílio,
procurar o nada para descobrir um homem,
ir para trás para ir para a frente.
a chave do caminho,
mais do que nas suas bifurcações,
seu suspeito começo
ou seu duvidoso final,
está no cáustico humor
do seu duplo sentido.
sempre se chega,
mas a outro lugar.
tudo passa.
mas ao contrário.
- roberto juarroz -
(tradução, menino mau)
- bernardo sassetti -
(si te contara)
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roberto juarroz
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
ruy belo vs joaquin sorolla y bastida + broken social scene
as velas da memória
há nos silvos que as manhãs me trazem
chaminés que se desmoronam:
são a infância e a praia os sonhos de partida
abrir esse portão junto ao vento que vida
aquém ou além desta me abre?
em que outro mundo ouvi o rouxinol
tão leve que o voo lhe aumentava as asas?
onde adiava ele a morte contra os dias
essa primeira morte?
vinham núpcias sem conto na inconcebível voz
que plenitude aquela: cantar
como quem não tivesse nenhum pensamento.
quem me deixou de novo aqui sentado à sombra
deste mês de junho? como te chamas tu
que enfunas as velas da memória ventilando: «aquela vez...»?
quando aonde foi em que país?
que vento faz quebrar nas costas destes dias
as ondas de de uma antiga música que ouvida
obriga a recuar a noite prometida
em círculos quebrados para além das dunas
fazendo regressar rebanhos de alegrias
abrindo em plena tarde um espaço ao amor?
que morte vem matar a lábil curva da dor?
que dor me faz doer de não ter mais que morrer?
e ouve-se o silêncio descer pelas vertentes da tarde
chegar à boca da noite e responder.
- ruy belo -
- joaquin sorolla y bastida -
(sailboat)
- broken social scene -
(her disappearing theme)
há nos silvos que as manhãs me trazem
chaminés que se desmoronam:
são a infância e a praia os sonhos de partida
abrir esse portão junto ao vento que vida
aquém ou além desta me abre?
em que outro mundo ouvi o rouxinol
tão leve que o voo lhe aumentava as asas?
onde adiava ele a morte contra os dias
essa primeira morte?
vinham núpcias sem conto na inconcebível voz
que plenitude aquela: cantar
como quem não tivesse nenhum pensamento.
quem me deixou de novo aqui sentado à sombra
deste mês de junho? como te chamas tu
que enfunas as velas da memória ventilando: «aquela vez...»?
quando aonde foi em que país?
que vento faz quebrar nas costas destes dias
as ondas de de uma antiga música que ouvida
obriga a recuar a noite prometida
em círculos quebrados para além das dunas
fazendo regressar rebanhos de alegrias
abrindo em plena tarde um espaço ao amor?
que morte vem matar a lábil curva da dor?
que dor me faz doer de não ter mais que morrer?
e ouve-se o silêncio descer pelas vertentes da tarde
chegar à boca da noite e responder.
- ruy belo -
- joaquin sorolla y bastida -
(sailboat)
- broken social scene -
(her disappearing theme)
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terça-feira, 15 de setembro de 2009
joão carlos silva vs hiroshi watanabe + werner pirchner
missão
o cavaleiro está nu perante os outros. sem armas
nem roupa, resta-lhe a vontade de sobreviver e a
devoção ao rei. pelo caminho, pela estrada, ficaram-lhe
armadura, cavalo, armas, e bagagem - bagagem que
o rei não receberá hoje. e com essa encomenda roubada
desapareceu também, naquele cruzamento, a sua
dignidade. perdera o armamento, mas o essencial da sua
missão fora-se numa caixa de ouro. «condenação», pensa
o guerreiro: naquela caixa roubada por uma quadrilha
também se foi o dinheiro que pagaria a sua vida.
os homens dizem que todos os homens têm um preço,
e este é o preço do cavaleiro. ordens simples: levar uma
caixa de ouro de um sítio para outro. um objecto que
vale a sua existência, o seu peso em ouro. uma espada,
um cavalo, um salvo-conduto, uma coroa: não salvam
um homem. salvá-lo-ia a capacidade de fazer o objecto
chegar ao sítio ordenado. o cavaleiro, por mais armas
que tivesse, já não compraria o seu próprio valor. na
verdade, um homem não vale mais do que a sua própria
missão. sem esta, não é mais do que isto: zero.
era, naquele momento, o cavaleiro mais leve de sempre.
- joão carlos silva -
- hiroshi watanabe -
- werner pirchner -
(solo sonata for bass -vibes pt. iii)
o cavaleiro está nu perante os outros. sem armas
nem roupa, resta-lhe a vontade de sobreviver e a
devoção ao rei. pelo caminho, pela estrada, ficaram-lhe
armadura, cavalo, armas, e bagagem - bagagem que
o rei não receberá hoje. e com essa encomenda roubada
desapareceu também, naquele cruzamento, a sua
dignidade. perdera o armamento, mas o essencial da sua
missão fora-se numa caixa de ouro. «condenação», pensa
o guerreiro: naquela caixa roubada por uma quadrilha
também se foi o dinheiro que pagaria a sua vida.
os homens dizem que todos os homens têm um preço,
e este é o preço do cavaleiro. ordens simples: levar uma
caixa de ouro de um sítio para outro. um objecto que
vale a sua existência, o seu peso em ouro. uma espada,
um cavalo, um salvo-conduto, uma coroa: não salvam
um homem. salvá-lo-ia a capacidade de fazer o objecto
chegar ao sítio ordenado. o cavaleiro, por mais armas
que tivesse, já não compraria o seu próprio valor. na
verdade, um homem não vale mais do que a sua própria
missão. sem esta, não é mais do que isto: zero.
era, naquele momento, o cavaleiro mais leve de sempre.
- joão carlos silva -
- hiroshi watanabe -
- werner pirchner -
(solo sonata for bass -vibes pt. iii)
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segunda-feira, 14 de setembro de 2009
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
lucian blaga vs alva noto
a estalactite
o silêncio é a minha sabedoria
e porque permaneço imóvel e sereno
como um asceta de pedra,
parece-me
que sou uma estalactite dentro de uma caverna imensa
com o céu por abóbada.
lentas,
lentas,
lentas gotas de luz,
gotas de paz, caem imparáveis
e fazem-se pedra dentro de mim.
- lucian blaga -
- alva noto -
(prototype 7)
o silêncio é a minha sabedoria
e porque permaneço imóvel e sereno
como um asceta de pedra,
parece-me
que sou uma estalactite dentro de uma caverna imensa
com o céu por abóbada.
lentas,
lentas,
lentas gotas de luz,
gotas de paz, caem imparáveis
e fazem-se pedra dentro de mim.
- lucian blaga -
- alva noto -
(prototype 7)
henrique manuel fialho vs werner pirchner
o primeiro amor
com o passar dos anos, o ursinho de peluche foi trocado
por um lego, o lego foi trocado por um livro, o livro foi
trocado por uma consola, a consola foi trocada pelo
primeiro amor, o primeiro amor foi trocado por uma
mulher, a mulher foi trocada pelos filhos, os filhos foram
trocados pelo trabalho, o trabalho foi trocado pela solidão,
a solidão foi trocada pelo ursinho de peluche. um homem
regressa sempre ao seu primeiro amor.
- henrique manuel fialho -
- werner pirchner -
(sonate vom rauhen leben pt iii)
com o passar dos anos, o ursinho de peluche foi trocado
por um lego, o lego foi trocado por um livro, o livro foi
trocado por uma consola, a consola foi trocada pelo
primeiro amor, o primeiro amor foi trocado por uma
mulher, a mulher foi trocada pelos filhos, os filhos foram
trocados pelo trabalho, o trabalho foi trocado pela solidão,
a solidão foi trocada pelo ursinho de peluche. um homem
regressa sempre ao seu primeiro amor.
- henrique manuel fialho -
- werner pirchner -
(sonate vom rauhen leben pt iii)
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quinta-feira, 10 de setembro de 2009
carlos drummond de andrade vs meredith monk
a porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só fazia o perfil de meia verdade.
e sua segunda segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
e os meios perfis não coincidiam.
arrebentaram a porta. derrubaram a porta.
chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
era dividida em metades
diferentes uma da outra.
chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
nenhuma das duas era totalmente bela.
e carecia optar. cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
-carlos drummond de andrade -
- merdith monk -
(jewish storyteller - dance - dream)
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só fazia o perfil de meia verdade.
e sua segunda segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
e os meios perfis não coincidiam.
arrebentaram a porta. derrubaram a porta.
chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
era dividida em metades
diferentes uma da outra.
chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
nenhuma das duas era totalmente bela.
e carecia optar. cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
-carlos drummond de andrade -
- merdith monk -
(jewish storyteller - dance - dream)
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quarta-feira, 9 de setembro de 2009
almada negreiros vs jan jelinek
a sombra sou eu
a minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.
sombra de mim que recebo a luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei do que seria
se de minha sombra chegasse a mim.
passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e não que me persigo.
faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!
- almada negreiros -
- jan jelinek -
(do dekor)
a minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.
sombra de mim que recebo a luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei do que seria
se de minha sombra chegasse a mim.
passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e não que me persigo.
faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!
- almada negreiros -
- jan jelinek -
(do dekor)
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terça-feira, 8 de setembro de 2009
carlos de oliveira vs alva noto
infância
I
terra
sem uma gota
de céu.
III
transmutação
do sol em oiro.
cai em gotas,
das folhas,
a manhã deslumbrada.
IV
chamo
a cada ramo
de árvore
uma asa.
e as árvores voam.
mas tornam-se mais fundas
as raízes da casa,
mais densa
a terra sobre a infância.
é o outro lado da magia.
V
e a nuvem
no céu há tantas horas,
água suspensa
porque eu quis,
desmorona-se e cai.
caem com ela
as árvores voadoras.
VI
céu
sem uma gota
de terra.
- carlos de oliveira -
- alva noto -
(prototype 6)
I
terra
sem uma gota
de céu.
III
transmutação
do sol em oiro.
cai em gotas,
das folhas,
a manhã deslumbrada.
IV
chamo
a cada ramo
de árvore
uma asa.
e as árvores voam.
mas tornam-se mais fundas
as raízes da casa,
mais densa
a terra sobre a infância.
é o outro lado da magia.
V
e a nuvem
no céu há tantas horas,
água suspensa
porque eu quis,
desmorona-se e cai.
caem com ela
as árvores voadoras.
VI
céu
sem uma gota
de terra.
- carlos de oliveira -
- alva noto -
(prototype 6)
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carlos de oliveira
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
mário rui de oliveira vs nils Økland
"um amigo
num daqueles dias de outono, em que nos queima a vermelha
labareda das folhas, um amigo pedia que lhe contasse uma história.
«salva-me a vida, conta-me uma história». e eu recordei aquela
mulher das mil e uma noites, que encadeava, com doçura e desespero,
uma história na outra, pois só a história infinita nos permite escapar
à maldição da morte. um amigo é uma história que nos salva."
- mário rui de oliveira -
- nils Økland -
(slag)
num daqueles dias de outono, em que nos queima a vermelha
labareda das folhas, um amigo pedia que lhe contasse uma história.
«salva-me a vida, conta-me uma história». e eu recordei aquela
mulher das mil e uma noites, que encadeava, com doçura e desespero,
uma história na outra, pois só a história infinita nos permite escapar
à maldição da morte. um amigo é uma história que nos salva."
- mário rui de oliveira -
- nils Økland -
(slag)
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nils Økland
quinta-feira, 3 de setembro de 2009
carlos de oliveira vs jon balke
salto em altura v
sente-se a variação
na atmosfera do quarto; uma corrente
de ar? com a porta,
as janelas fechadas?
o sopro vem talvez da estante:
poemas, dicionários;
como se a biblioteca desprendesse
substâncias voláteis; ou
que tentam voar; o frémito,
o pressentimento, acorda
os móveis fascinados; pouco a pouco,
no aro do abat-jour,
onde a diferença é mais sensível,
condensa-se o rumor das primeiras
palavras: afinal são elas;
e logo que os seus voos;
anteriores à escrita; as precipitam
no papel, começa-se a escrever.
- carlos de oliveira -
- jon balke -
(doublespeak)
sente-se a variação
na atmosfera do quarto; uma corrente
de ar? com a porta,
as janelas fechadas?
o sopro vem talvez da estante:
poemas, dicionários;
como se a biblioteca desprendesse
substâncias voláteis; ou
que tentam voar; o frémito,
o pressentimento, acorda
os móveis fascinados; pouco a pouco,
no aro do abat-jour,
onde a diferença é mais sensível,
condensa-se o rumor das primeiras
palavras: afinal são elas;
e logo que os seus voos;
anteriores à escrita; as precipitam
no papel, começa-se a escrever.
- carlos de oliveira -
- jon balke -
(doublespeak)
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quarta-feira, 2 de setembro de 2009
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