tu leitor julgavas que ali debaixo do alpendre o meu
olhar estava apontado para os ponteiros recortados
como alabardas de um redondo relógio de velha estação,
no vão esforço de fazê-los andar para trás, a percor-
rer em sentido contrário o cemitério das horas passa-
das jacentes exangues no seu panteão circular. mas
quem te diz que os números do relógio não se debruçam
de janelinhas rectangulares e eu não vejo cada minuto
cair-me em cima de repente como a lâmina de uma gui-
lhotina? seja como for, o resultado não mudaria muito:
mesmo avançando num mundo todo polido e escorregadio
a minha mão contraída no pequeno leme da mala de ro-
dízios não deixaria de exprimir uma recusa interior,
como se aquela ligeira bagagem constituísse para mim
um peso ingrato e extenuante.
- italo calvino -
(se numa noite de inverno um viajante)
- mazgani -
(thirst)
terça-feira, 27 de julho de 2010
terça-feira, 20 de julho de 2010
sam shepard vs the residents
no chão de joelhos
cotovelos espetados dentro da noite
é verdade
esta profunda ligação
é deveras verdade
a terra liberta uma mensagem
exala-a
e enche-me se a respiro
texugos
coelhos mortos
o calor do dia que a terra ressuma
estás num comboio algures
bem te vejo olhando pela janela
lá fora algures salt lake city
e eu para aqui estou
debruçado da janela.
- sam shepard -
- the residents -
(dreams)
cotovelos espetados dentro da noite
é verdade
esta profunda ligação
é deveras verdade
a terra liberta uma mensagem
exala-a
e enche-me se a respiro
texugos
coelhos mortos
o calor do dia que a terra ressuma
estás num comboio algures
bem te vejo olhando pela janela
lá fora algures salt lake city
e eu para aqui estou
debruçado da janela.
- sam shepard -
- the residents -
(dreams)
sexta-feira, 16 de julho de 2010
robert bresson vs the hillbilly moon explosion
dois tipos de filme: aqueles que empregam os recursos do
teatro (actores, direcção, etc.) e usam a câmara de forma
a reproduzir; aqueles que empregam os recursos da cinema-
tografia e usam a câmara para criar.
- robert bresson -
(notes on cinematography, trad. menino mau)
- the hillbilly moon explosion-
(manic lover)
teatro (actores, direcção, etc.) e usam a câmara de forma
a reproduzir; aqueles que empregam os recursos da cinema-
tografia e usam a câmara para criar.
- robert bresson -
(notes on cinematography, trad. menino mau)
- the hillbilly moon explosion-
(manic lover)
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the hillbilly moon explosion
terça-feira, 13 de julho de 2010
mario giacomelli vs alva noto
- alva noto -
(u 07)
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
- mario giacomelli -
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mario giacomelli
quinta-feira, 8 de julho de 2010
gonçalo m. tavares vs giant sand
a janela
uma das janelas de calvino, a com melhor vista para a
rua, era tapada por duas cortinas que, no meio, quando
se juntavam, podiam ser abotoadas. uma das cortinas, a
do lado direito, tinha botões e a outra, as respectivas
casas.
calvino, para espreitar por essa janela, tinha primeiro
de desabotoar os sete botões, um a um. depois sim, afas-
tava com as mãos as cortinas e podia olhar, observar o
mundo. no fim, depois de ver, puxava as cortinas para a
frente da janela, e fechava cada um dos botões. era uma
janela de abotoar.
quando de manhã abria a janela, desabotoando, com len-
tidão, os botões, sentia nos gestos a intensidade eró-
tica de quem despe, com delicadeza, mas também com an-
siedade, a camisa da amada.
olhava depois da janela de uma outra forma. como se o
mundo não fosse uma coisa disponível a qualquer momen-
to, mas sim algo que exigia dele, e dos seus dedos, um
conunto de gestos minuciosos.
daquela janela o mundo não era igual.
- gonçalo m. tavares -
(o senhor calvino)
- giant sand -
(ploy)
uma das janelas de calvino, a com melhor vista para a
rua, era tapada por duas cortinas que, no meio, quando
se juntavam, podiam ser abotoadas. uma das cortinas, a
do lado direito, tinha botões e a outra, as respectivas
casas.
calvino, para espreitar por essa janela, tinha primeiro
de desabotoar os sete botões, um a um. depois sim, afas-
tava com as mãos as cortinas e podia olhar, observar o
mundo. no fim, depois de ver, puxava as cortinas para a
frente da janela, e fechava cada um dos botões. era uma
janela de abotoar.
quando de manhã abria a janela, desabotoando, com len-
tidão, os botões, sentia nos gestos a intensidade eró-
tica de quem despe, com delicadeza, mas também com an-
siedade, a camisa da amada.
olhava depois da janela de uma outra forma. como se o
mundo não fosse uma coisa disponível a qualquer momen-
to, mas sim algo que exigia dele, e dos seus dedos, um
conunto de gestos minuciosos.
daquela janela o mundo não era igual.
- gonçalo m. tavares -
(o senhor calvino)
- giant sand -
(ploy)
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gonçalo m. tavares
terça-feira, 6 de julho de 2010
jorge luis borges vs tame impala
[...]
uma das escolas de tlön chega a negar o tempo: raciocina
que o presente é indefinido, que o futuro não tem reali-
dade senão como esperança presente, e que o passado não
tem realidade senão como recordação presente*. outra es-
cola declara que já decorreu todo o tempo e que a nossa
vida é apenas a lembrança ou reflexo crepuscular, e sem
dúvida falseado e mutilado, de um processo irrecuperável.
outra, que a história do universo - e nela as nossas vi-
das e o pormenor mais ténue das nossas vidas - é a es-
crita que produz um deus subalterno para se entender com
um demónio. outra, que o universo é comparável a essas
criptografias em que não valem todos os símbolos e que
só é verdade o que sucede de trezentas em trezentas noi-
tes. outra, que enquanto dormimos aqui, estamos acorda-
dos noutro lado e que assim cada homem é dois homens.
[...]
*russell (the analysis of mind, 1921, página 159) supõe
que o planeta foi criado há poucos minutos, provido de
uma humanidade que «recorda» um passado ilusório.
- jorge luis borges -
(tlön, uqbar, orbis tertius)
- tame impala -
(solitude is bliss)
uma das escolas de tlön chega a negar o tempo: raciocina
que o presente é indefinido, que o futuro não tem reali-
dade senão como esperança presente, e que o passado não
tem realidade senão como recordação presente*. outra es-
cola declara que já decorreu todo o tempo e que a nossa
vida é apenas a lembrança ou reflexo crepuscular, e sem
dúvida falseado e mutilado, de um processo irrecuperável.
outra, que a história do universo - e nela as nossas vi-
das e o pormenor mais ténue das nossas vidas - é a es-
crita que produz um deus subalterno para se entender com
um demónio. outra, que o universo é comparável a essas
criptografias em que não valem todos os símbolos e que
só é verdade o que sucede de trezentas em trezentas noi-
tes. outra, que enquanto dormimos aqui, estamos acorda-
dos noutro lado e que assim cada homem é dois homens.
[...]
*russell (the analysis of mind, 1921, página 159) supõe
que o planeta foi criado há poucos minutos, provido de
uma humanidade que «recorda» um passado ilusório.
- jorge luis borges -
(tlön, uqbar, orbis tertius)
- tame impala -
(solitude is bliss)
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jorge luis borges,
tame impala
segunda-feira, 5 de julho de 2010
julio cortázar vs kid kongo
geografias
[...]
«...mares paralelos (rios?). a água infinita (o mar?)
cresce em determinados momentos como uma hera-hera-hera
(ideia de uma parede muito alta, que representaria a maré?).
quando se vai-vai-vai-vai (análoga noção aplicada para
a distância), chega-se à grande sombra verde (um campo
semeado, um matagal, um bosque?) onde o grande deus guarda
o celeiro para as melhores obreiras. nesta região abundam
os horríveis imensos seres (homens?) que destroem os nossos
carreiros. do lado de lá da grande montanha verde, começa
o céu duro (uma montanha?). e é tudo nosso, mas com ameaças.»
esta geografia foi objecto de outra interpretação (dick fry
e niels peterson jr.). o texto corresponderia topografica-
mente a um pequeno jardim da rua laprida, nº 628, buenos
aires. os mares paralelos são dois canos de escoamento;
a água infinita seria um charco dos patos; a grande sombra
verde, um canteiro de alfaces. os horríveis imensos seres
insinuariam os patos ou galinhas, embora se não deva afastar
a possibilidade de realmente se tratar de homens. a respeito
do céu duro já se trava uma polémica que tão depressa não
acabará. à opinião de fry e peterson, que nele vêem qualquer
coisa como vidro, opõe-se a de guilherme sofovich, que julga
tratar-se de um bidé abandonado no meio das alfaces.
- julio cortázar -
- kid kongo -
(pumpkin pie)
[...]
«...mares paralelos (rios?). a água infinita (o mar?)
cresce em determinados momentos como uma hera-hera-hera
(ideia de uma parede muito alta, que representaria a maré?).
quando se vai-vai-vai-vai (análoga noção aplicada para
a distância), chega-se à grande sombra verde (um campo
semeado, um matagal, um bosque?) onde o grande deus guarda
o celeiro para as melhores obreiras. nesta região abundam
os horríveis imensos seres (homens?) que destroem os nossos
carreiros. do lado de lá da grande montanha verde, começa
o céu duro (uma montanha?). e é tudo nosso, mas com ameaças.»
esta geografia foi objecto de outra interpretação (dick fry
e niels peterson jr.). o texto corresponderia topografica-
mente a um pequeno jardim da rua laprida, nº 628, buenos
aires. os mares paralelos são dois canos de escoamento;
a água infinita seria um charco dos patos; a grande sombra
verde, um canteiro de alfaces. os horríveis imensos seres
insinuariam os patos ou galinhas, embora se não deva afastar
a possibilidade de realmente se tratar de homens. a respeito
do céu duro já se trava uma polémica que tão depressa não
acabará. à opinião de fry e peterson, que nele vêem qualquer
coisa como vidro, opõe-se a de guilherme sofovich, que julga
tratar-se de um bidé abandonado no meio das alfaces.
- julio cortázar -
- kid kongo -
(pumpkin pie)
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