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quarta-feira, 30 de março de 2011

julio cortázar vs giant sand


preâmbulo às instruções para dar corda ao relógio


pensa nisto: quando te oferecerem um relógio, oferecem-te um pequeno inferno florido, uma prisão de rosas, um calabouço de ar. não te dão somente o relógio, muitos parabéns, que te dure muitos e bons, é uma óptima marca, suíço com não sei quantos rubis, não te oferecem somente esse pequeno pedreiro que prenderás ao pulso e passearás contigo. oferecem-te - ignoram-no, é terrível ignorá-lo - um novo bocado frágil e precário de ti mesmo, algo que é teu mas não é o teu corpo, que tens de prender ao teu corpo com uma correia, como um bracito desesperado pendente do pulso. oferecem-te a necessidade de lhe dar corda todos os dias, a obrigação de dar corda para que continue a ser um relógio; oferecem-te a obsessão de ver as horas certas nas montras das joalharias, o sinal horário na rádio, o serviço telefónico. oferecem-te o medo de o perder, de seres roubado, de que caia ao chão e se parta. oferecem-te uma marca, a convicção de que é uma marca superior às outras, oferecem-te a tentação de comparares o teu com os outros relógios. não te oferecem um relógio, és tu o oferecido, a ti oferecem para o nascimento do relógio.

- julio cortázar -



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- giant sand -
(cracklin' water)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

julio cortázar vs kid kongo

geografias

[...]
«...mares paralelos (rios?). a água infinita (o mar?)
cresce em determinados momentos como uma hera-hera-hera
(ideia de uma parede muito alta, que representaria a maré?).
quando se vai-vai-vai-vai (análoga noção aplicada para
a distância), chega-se à grande sombra verde (um campo
semeado, um matagal, um bosque?) onde o grande deus guarda
o celeiro para as melhores obreiras. nesta região abundam
os horríveis imensos seres (homens?) que destroem os nossos
carreiros. do lado de lá da grande montanha verde, começa
o céu duro (uma montanha?). e é tudo nosso, mas com ameaças.»
esta geografia foi objecto de outra interpretação (dick fry
e niels peterson jr.). o texto corresponderia topografica-
mente a um pequeno jardim da rua laprida, nº 628, buenos
aires. os mares paralelos são dois canos de escoamento;
a água infinita seria um charco dos patos; a grande sombra
verde, um canteiro de alfaces. os horríveis imensos seres
insinuariam os patos ou galinhas, embora se não deva afastar
a possibilidade de realmente se tratar de homens. a respeito
do céu duro já se trava uma polémica que tão depressa não
acabará. à opinião de fry e peterson, que nele vêem qualquer
coisa como vidro, opõe-se a de guilherme sofovich, que julga
tratar-se de um bidé abandonado no meio das alfaces.

- julio cortázar -


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- kid kongo -
(pumpkin pie)

domingo, 23 de maio de 2010

julio cortázar vs tobacco

o homem-criança não é um cavalheiro, mas um cornópio
que não percebe bem o sistema de linhas de fuga graças
às quais se cria uma perspectiva satisfatória da circuns-
tância, ou então, tal como acontece com as collages mal
sucedidas, se sente numa escala diferente relativamente
à circunstância, uma formiga que não cabe num palácio
ou um número quatro no qual não cabem mais do que três
ou cinco unidades.

- julio cortázar -
(do sentimento de não estar totalmente)



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- tobacco -
(nuclear waste aerobics)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

julio cortázar vs les fragments de la nuit

a um general

região de mãos sujas de pincéis sem cabelos
de meninos boca abaixo de escovas de dentes

zona onde a ratazana se enobrece
e há bandeiras inúmeras e cantam hinos
e alguém te prende, filho da puta,
uma medalha sobre o peito

e apodreces o mesmo.

- julio cortázar -
(trad. menino mau)



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- les fragments de la nuit -
(la ronde des fees)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

julio cortázar vs john zorn

discurso do não método, método do não discurso, e assim
vamos. o melhor: não começar, aproximar-se por onde se
possa. nenhuma cronologia, baralho tão mesclado que não
vale a pena. quando houver datas ao pé, as porei.
ou não. lugares, nomes. ou não. de qualquer forma tu
também decidirás o que te der na gana. a vida: espetar o
dedo, boleia, hitchhiking: ou se dá ou não se dá, os livros
tal como as estradas.
aí vem um. leva-nos, ou deixa-nos plantados?

- julio cortázar -
(de arrimos)
(tradução, menino mau)


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- john zorn -
(mow mow)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

julio cortázar vs david torn

démons et merveilles

de colinas e ventos
de coisas que se denominam para entrar
como árvores ou nuvens no mundo

de enigmas revelando-se nas luas
quebradas contra o tanque ou as areias

eu disse e esperei

creio que nada vale contra esta carícia
abrasadora que sobe pela pele

nem o silêncio, esse desencadeador de sonhos

viver
oh imagem para um olho cortado
voltado para cima
perpétuo

- julio cortázar -
(tradução, menino mau)


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- david torn -
(them buried standing)

segunda-feira, 30 de março de 2009

julio cortázar vs eadweard muybridge + terry riley


instruções para subir uma escada


toda a gente terá observado que frequentemente o chão se
dobra de tal maneira que uma parte fica a fazer um ângulo recto
com o plano do solo e a parte seguinte se coloca paralelamente
a este plano, para dar lugar a uma nova perpendicular, coisa que
se repete em espiral ou em linha quebrada até uma altura bastante
variável. se uma pessoa se agachar, puser a mão esquerda numa
das partes verticais e a direita na horizontal correspondente, está
momentaneamente na posse de um degrau. cada um destes de-
graus, formados como se vê por dois elementos, se situa um
pouco mais acima e à frente que o anterior, princípio que fornece
um sentido à escada, já que uma qualquer outra combinação
produzisse formas mais belas ou pitorescas, mas se revelaria
incapaz de ligar um rés-do-chão a um primeiro andar.
sobe-se escadas de frente, posto que às arrecuas ou de lado
é particularmente incómodo fazê-lo. a atitude natural consiste
em manter-se de pé, braços pendendo sem esforço, cabeça erguida
embora de maneira a que os olhos não deixem de ver os degraus
imediatamente superiores ao que se pise e respirar lenta, regular-
mente. para subir uma escada, começa-se por levantar a parte do
corpo situada em baixo à direita, quase sempre coberta de couro
ou camurça e que salvo raras exepções cabe exactamente no
degrau. posta a dita parte - a que para abreviar vamos chamar
pé - no primeiro degrau, recolhe-se a parte equivalente da es-
querda (igualmente chamada pé, mas que se não deve confundir
com o pé atrás citado) e levando-a à altura do pé, continua-se até
a colocar no segundo degrau onde se descansará o pé, descan-
sando no primeiro o pé. (os primeiros degraus são sempre os
mais difíceis até adquirir a necessária coordenação. a coin-
cidência dos nomes entre o pé e o pé torna a explicação difícil.
tenha-se especial cuidado em não levantar ao mesmo tempo o
pé e o pé.)
chegado ao segundo degrau, basta repetir alternadamente os
movimentos até chegar ao cimo da escada.
dela se sairá com facilidade dando um pequeno golpe de
calcanhar que a põe no seu lugar, donde não se mexerá até
ao momento da descida.
- julio cortázar -


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- eadweard muybridge -
(athlete ascending a stairway)

- terry riley -
(cadence on the wind)