segunda-feira, 6 de julho de 2009

anton tchekhov vs steve reich

durante as tardes e as noites de julho já não se ouvem as
codornizes, nem as galinholas, nem o rouxinol nas, nas ravinas
da floresta; as flores já não embalsamam o ar. no entanto, a
estepe continua ainda muito bela e muito cheia de vida. basta
que o sol se ponha e a terra mergulhe na sombra para que a
tristeza do dia seja esquecida e tudo seja perdoado; a estepe
suspira suavemente pelo seu grande peito. a obscuridade da
noite esconde o seu estigma, a erva anima-se numa alegre
confusão juvenil que durante o dia ela nunca consegue ter;
os estalidos, os assobios as arranhadelas, os baixos, os tenores
e os sopranos da estepe, tudo se funde num zumbido contínuo
que convida à saudade e à melancolia. esta ressonância
adormece como uma canção de embalar; rola-se através da
estepe e sente-se que se vai adormecer, mas que ainda não
adormeceu, ou um barulho indefinível semelhante a uma voz
humana, como um «aaah» de espanto, e lá se vai o sono das
pálpebras. ou então passa-se diante duma ravina com
arbustos e aquele que os habitantes da estepe chamam
«spliuk», enquanto outro - um mocho - ri às gargalhadas ou
soluça como uma mulher histérica. para quem gritam eles e
quem os ouve nesta imensidão, só deus o sabe, mas o grito
deles vem repassado de tristeza e de queixume. cheira a
feno, a ervas secas, flores tardias, mas este cheiro é espesso,
adocicado e suave.
vê-se tudo através da obscuridade, mas é difícil distinguir as
cores e os contornos dos objectos. tudo parece diferente do
que na realidade é.
por vezes vai-se a andar e de repente vê-se à frente, mesmo
à beira da estrada, uma silhueta que parece um monge; está
à espera, imóvel, e segurando qualquer coisa nas mãos... um
salteador, talvez? aproxima-se, aumenta... ei-lo do tamanho
da caleça, e então descobre-se que não é um homem, mas
um arbusto solitário ou um rochedo. silhuetas destas, imóveis
e que parecem estar à espera de alguém, erguem-se nas
colinas, escondem-se atrás dos outeiros, surgem por entre as
ervas; todas se assemelham a seres humanos e todas
inspiram desconfiança.
então, quando a lua nasce, a noite torna-se pálida e sombria.
a bruma desaparece completamente, o ar fica transparente,
fresco e suave. tudo se vê muito claramente, de tal forma que
se podem distinguir as ervas à beira da estrada, os crânios e
as pedras que estão espalhados pela estepe. no fundo claro da
noite, as silhuetas misteriosas semelhantes a monges parecem
ainda mais sombrias e ameaçadoras. no meio da estridulação
monótona dos insectos, o «aaah» espantado ou o grito dum
pássaro, que não dorme ou anda a vaguear, ressoam cada vez
mais frequentemente, perturbando o ar imóvel. grandes
sombras se deslocam na planície como nuvens no céu e, se se
perscrutar profundamente o horizonte misterioso, vêem-se
silhuetas diáfanas e caprichosas, um pouco aterrorizadoras,
que se erguem e cruzam. se se erguer os olhos para o céu
verde-pálido constelado de estrelas, puro de qualquer nuvem
ou da menor mancha, compreende-se porque é que o ar
cálido está imóvel, é porque a natureza inteira está à espera
e receia mexer-se: está paralisada de medo e não desejaria
perder um só instante da vida. a vastidão insondável e a
imensidade infindável do céu em parte alguma são tão
palpáveis como no mar ou na estepe banhada pelo luar. este
céu é assustador, magnífico, sedutor, olha-nos com languidez,
chama-nos e, com ternura, obriga-nos a virar a cabeça.

- anton tchekhov -
(a estepe)


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- steve reich -
(tehillim)

1 comentário:

Rodrigo Andreiuk disse...

gosto muito dessa música