talhante: a prisão é uma prova. o tempo amadurece-te e passa.
rapariga: o tempo nunca fica mais curto. é enorme, à minha
frente - como a eternidade. será que é a eternidade?
talhante: isso é muito triste, não ajuda. pensa assim, tens uma
pessoa que te acorda de manhã e que partilha a cela contigo.
dia e noite. mesmo quando dormes ela está lá.
rapariga: mas deve sentir-se qualquer coisa. eu não sinto o teu
deus. e isso põe-me doente.
talhante: a doença está só na tua cabeça. não corrói os teus
membros, não te paralisa as articulações. e há orações contra
os maus pensamentos. com humildade te rogo, divindade
escondida, por exemplo, e ó santo alimento, e do fundo da
minha desgraça eu te chamo.
rapariga: isso é a tortura a que estamos condenados.
o tempo com essas tuas orações custa muito mais a passar.
o rosário arde na minha mão. o fogo no purgatório...
talhante: o sofrimento vai diminuindo à medida que é sofrido,
consome-se e ganha sentido.
rapariga: ó espírito e roupa, estrela e flor, amor, eternidade,
tempo e dor.
talhante: tu não sofres com a fome, não sofres com a sede,
não sofres com ódio nem com amor - só sofres com o
sofrimento...
rapariga: ó liberta-me!
- rainer werner fassbinder -
(sangue no pescoço do gato)
- johann sebastian bach -
(aus tiefer not schrei ich zu dir - bwv 686)
1 comentário:
fabuloso
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