o que acontece quando se adia um sonho?
será que ele seca
como uva-passa?
será que inflama como ferida -
e depois apodrece?
será que fede como carniça?
ou cristaliza -
como a calda do doce
talvez só se acomode
como carga pesada.
ou será que explode
- langston hughes -
- erik levander -
(sekund)
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
antónio gregório vs alva noto & ryuichi sakamoto
american scientist
lemos que estava a expandir-se o universo e
imaginámos perplexos a quantidade
de espaço novo a dispor entre todos quando
bem contados nem somos muitos. ela disse
com certeza calhar-nos-á algum e que era
um luxo quase imoral como tomar banho
de banheira cheia nestes meses de seca
prosseguirmos os dois à beira da fusão.
numa carta electrónica de resposta à
minha o articulista garantiu que nada
se expande eternamente e no prazo de algumas
gerações estelares há-de o universo
encolher outra vez e que por isso o espaço
que nos aparta é só uma questão de tempo.
- antónio gregório -
- alva noto & ryuichi sakamoto -
(berlin)
lemos que estava a expandir-se o universo e
imaginámos perplexos a quantidade
de espaço novo a dispor entre todos quando
bem contados nem somos muitos. ela disse
com certeza calhar-nos-á algum e que era
um luxo quase imoral como tomar banho
de banheira cheia nestes meses de seca
prosseguirmos os dois à beira da fusão.
numa carta electrónica de resposta à
minha o articulista garantiu que nada
se expande eternamente e no prazo de algumas
gerações estelares há-de o universo
encolher outra vez e que por isso o espaço
que nos aparta é só uma questão de tempo.
- antónio gregório -
- alva noto & ryuichi sakamoto -
(berlin)
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alva noto and ryuichi sakamoto,
antónio gregório,
bang bang
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
luís quintais vs nebulo
cidade
não explicites a morfologia da cidade.
nem sequer o seu nome.
que sabes tu
quando o inverno te declina?
de olhos cegos, a cidade fita-te.
mas sobre isso nada dirás.
um dia tu serás
o emudecido grito
que ela ensina.
para lição de ninguém,
serás.
- luís quintais -
não explicites a morfologia da cidade.
nem sequer o seu nome.
que sabes tu
quando o inverno te declina?
de olhos cegos, a cidade fita-te.
mas sobre isso nada dirás.
um dia tu serás
o emudecido grito
que ela ensina.
para lição de ninguém,
serás.
- luís quintais -
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
italo calvino vs rolling stones
talvez o erro seja estabelecer que em princípio esta-
mos eu e um telefone num espaço finito como a minha
casa, quando o que tenho de comunicar é a minha situação
em relação a muitos telefones que tocam, telefones que
se calhar não me chamam a mim, não têm comigo nenhuma
relação, mas basta o facto de eu poder ser chamado a um
telefone para tornar possível, ou pelo menos pensável
que possa ser chamado por todos os telefones. por exem-
plo quando toca o telefone numa casa vizinha e por um
momento me pergunto se não é na minha casa que toca,
dúvida que logo se revela infundada mas que no entanto
permanece um resíduo visto que podia acontecer que na
realidade a chamada fosse mesmo para mim mas por um
engano de número ou devido a mau contacto dos fios fos-
se parar ao vizinho, tanto mais que naquela casa não há
ninguém para atender e o telefone continua a tocar, e
então na lógica irracional que o toque nunca deixa de
despertar penso: talvez seja mesmo para mim, talvez o
vizinho esteja em casa mas não atenda porque já sabe,
talvez quem ligou também saiba que está a chamar o nú-
mero errado mas o faça de propósito para me pôr neste
estado, sabendo que não posso atender mas sei que deve-
ria atender.
- italo calvino -
(se numa noite de inverno um viajante)
- rolling stones -
(paint it black)
mos eu e um telefone num espaço finito como a minha
casa, quando o que tenho de comunicar é a minha situação
em relação a muitos telefones que tocam, telefones que
se calhar não me chamam a mim, não têm comigo nenhuma
relação, mas basta o facto de eu poder ser chamado a um
telefone para tornar possível, ou pelo menos pensável
que possa ser chamado por todos os telefones. por exem-
plo quando toca o telefone numa casa vizinha e por um
momento me pergunto se não é na minha casa que toca,
dúvida que logo se revela infundada mas que no entanto
permanece um resíduo visto que podia acontecer que na
realidade a chamada fosse mesmo para mim mas por um
engano de número ou devido a mau contacto dos fios fos-
se parar ao vizinho, tanto mais que naquela casa não há
ninguém para atender e o telefone continua a tocar, e
então na lógica irracional que o toque nunca deixa de
despertar penso: talvez seja mesmo para mim, talvez o
vizinho esteja em casa mas não atenda porque já sabe,
talvez quem ligou também saiba que está a chamar o nú-
mero errado mas o faça de propósito para me pôr neste
estado, sabendo que não posso atender mas sei que deve-
ria atender.
- italo calvino -
(se numa noite de inverno um viajante)
- rolling stones -
(paint it black)
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snippets
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
raymond queneau vs can
anotações
no s, a uma hora de grande movimento. um tipo dos
seus vinte e seis anos, chapéu de feltro com um
cordão a substituir a fita, pescoço comprido como
se lho tivessem esticado. as pessoas descem. o
indivíduo em questão irrita-se com um passageiro
ao seu lado. acusa-o de lhe dar empurrões cada vez
que alguém passa. tom lamechas a querer fazer-se
de mau. ao ver um lugar vago, precipita-se para
ele.
duas horas mais tarde, encontro-o na cour de rome,
em frente da estação de sait-lazare. está com um
companheiro que lhe diz: "devias mandar pregar mais
um botão no teu sobretudo." motra-lhe onde (junto
da gola) e porquê.
exclamações
olha! meio-dia! horas de apanhar o autocarro! tanta
no s, a uma hora de grande movimento. um tipo dos
seus vinte e seis anos, chapéu de feltro com um
cordão a substituir a fita, pescoço comprido como
se lho tivessem esticado. as pessoas descem. o
indivíduo em questão irrita-se com um passageiro
ao seu lado. acusa-o de lhe dar empurrões cada vez
que alguém passa. tom lamechas a querer fazer-se
de mau. ao ver um lugar vago, precipita-se para
ele.
duas horas mais tarde, encontro-o na cour de rome,
em frente da estação de sait-lazare. está com um
companheiro que lhe diz: "devias mandar pregar mais
um botão no teu sobretudo." motra-lhe onde (junto
da gola) e porquê.
exclamações
olha! meio-dia! horas de apanhar o autocarro! tanta
gente! gente por todo o lado! todos tão espremidos!
curtido! aquele fulano! que trombil! e que pescoço!
setenta e cinco centímetros! pelo menos! e o galão!
o galão! não o tinha visto! o galão! é o mais curti-
do! esta agora! o galão! à volta do chapéu! um galão!
curtido! curtido a valer! ó p'ra ele a mandar vir!
o tipo do galão! com o sujeito do lado! e o que lhe
diz! o outro! tinha-o pisado! vão desatar à estalada!
de certeza! parece que não! parece que sim! ó, dá-
-lhe! dá-lhe! dá-lhe uma mordidela no olho! vá lá!
força! então, caraças! não pode ser! meteu o rabo
entre as pernas! o tipo! do pescoço comprido! com o
galão! e é p'ra um lugar vago que ele corre! olha,
olha! o fulano!
ora esta! sim, senhor! não! não estou enganado! é
mesmo ele! ali! na cour de rome! em frente da estação
de sain-lazare! a andar de um lado pró o outro! com
outro tipo! e então o que o outro lhe diz! que ele
devia acrescentar um botão! pois! um botão ao sobre-
tudo! ao sobretudo!
- raymond queneau -
(exercícios de estilo)
- can -
(uphill)
setenta e cinco centímetros! pelo menos! e o galão!
o galão! não o tinha visto! o galão! é o mais curti-
do! esta agora! o galão! à volta do chapéu! um galão!
curtido! curtido a valer! ó p'ra ele a mandar vir!
o tipo do galão! com o sujeito do lado! e o que lhe
diz! o outro! tinha-o pisado! vão desatar à estalada!
de certeza! parece que não! parece que sim! ó, dá-
-lhe! dá-lhe! dá-lhe uma mordidela no olho! vá lá!
força! então, caraças! não pode ser! meteu o rabo
entre as pernas! o tipo! do pescoço comprido! com o
galão! e é p'ra um lugar vago que ele corre! olha,
olha! o fulano!
ora esta! sim, senhor! não! não estou enganado! é
mesmo ele! ali! na cour de rome! em frente da estação
de sain-lazare! a andar de um lado pró o outro! com
outro tipo! e então o que o outro lhe diz! que ele
devia acrescentar um botão! pois! um botão ao sobre-
tudo! ao sobretudo!
- raymond queneau -
(exercícios de estilo)
- can -
(uphill)
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
harold pinter vs micachu
problema
o telefone toca. ignoro. persiste. não sou parvo.
o estratagema a que recorro ocorre-me facilmente.
levanto o auscultador. não digo nada. silêncio
igual, na outra ponta. ele troca de auscultador.
o tom é extraordinariamente estridente.
após dar conta de alguns trabalhos decidi fazer
um telefonema. levantei o auscultador. silêncio
morto. sem precedentes. o sistema telefónico da
minha área é normalmente sans pareil. à comunica-
ção da mais pequena falha vêm os técnicos a correr
ao local para corrigir. mas neste caso há um pro-
blema palpável. não posso telefonar para comunicar
a falha. a falha é tão vasta, tão impregnante, tão
consumada, tão definitiva que impede, sem um res-
quício de esperança, a ajuda.
telefone calado. noite morta.
a linha? o telefone fora do descanso? a linha te-
lefónica fora do descanso? investigo. linha segu-
ra, com uma certa indolência, no descanso. estou
desonrientado. não só isso. pego numa cadeira e
sento-me desorientado.
desorientado. ausência de sinal. noite morta. toca.
*
saio da biblioteca, vou a uma cabine telefónica e
disco o número da minha casa. linha ocupada.
*
algém anda a tentar lixar-me.
- harold pinter -
- micachu -
(vulture)
o telefone toca. ignoro. persiste. não sou parvo.
o estratagema a que recorro ocorre-me facilmente.
levanto o auscultador. não digo nada. silêncio
igual, na outra ponta. ele troca de auscultador.
o tom é extraordinariamente estridente.
após dar conta de alguns trabalhos decidi fazer
um telefonema. levantei o auscultador. silêncio
morto. sem precedentes. o sistema telefónico da
minha área é normalmente sans pareil. à comunica-
ção da mais pequena falha vêm os técnicos a correr
ao local para corrigir. mas neste caso há um pro-
blema palpável. não posso telefonar para comunicar
a falha. a falha é tão vasta, tão impregnante, tão
consumada, tão definitiva que impede, sem um res-
quício de esperança, a ajuda.
telefone calado. noite morta.
a linha? o telefone fora do descanso? a linha te-
lefónica fora do descanso? investigo. linha segu-
ra, com uma certa indolência, no descanso. estou
desonrientado. não só isso. pego numa cadeira e
sento-me desorientado.
desorientado. ausência de sinal. noite morta. toca.
*
saio da biblioteca, vou a uma cabine telefónica e
disco o número da minha casa. linha ocupada.
*
algém anda a tentar lixar-me.
- harold pinter -
- micachu -
(vulture)
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micachu
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
david teles pereira vs milton babbitt
procura-se companheira/o
para relacionamento poético sério.
apenas se exige que saiba dizer que o surrealismo
é coisa para ter morrido no século xx.
- david teles pereira -
para relacionamento poético sério.
apenas se exige que saiba dizer que o surrealismo
é coisa para ter morrido no século xx.
- david teles pereira -
(recorte de um anúncio de jornal)
- milton babbit -
(quintet for clarinet and string quartet, measure 1)
(quintet for clarinet and string quartet, measure 1)
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david teles pereira,
milton babbitt
quarta-feira, 9 de dezembro de 2009
franz kafka vs johann johannsson
41
para nosso consolo, a desproporção do mundo
parece ser apenas numérica.
- franz kafka -
(aforismos)
para nosso consolo, a desproporção do mundo
parece ser apenas numérica.
- franz kafka -
(aforismos)
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