quinta-feira, 26 de novembro de 2009

henri michaux vs hecq

a preguiça

a alma adora nadar. para nadar, há que deitar-se de barriga.
a alma despega-se e parte. parte a nadar. (se a vossa alma
parte quando estais de pé, ou sentados, ou de joelhos, ou a-
poiados nos cotovelos, para cada posição corporal diferente a
alma partirá com uma locomoção e uma forma diferentes,
segundo concluirei mais tarde).
fala-se muito em voar. não é isso. o que ela faz é nadar. e na-
da como as serpentes e as enguias , nunca de outro modo. há
imensa gente que tem assim uma alma que adora nadar.
chamam-lhes vulgarmente preguiçosos. quando a alma deixa
o corpo pelo ventre para nadar, produz-se uma tal liberta-
ção de sei lá o quê, é um abandono, um gozo, uma descontra-
ção tão íntima.
a alma parte a nadar no vão das escadas, ou na rua, consoan-
te a timidez ou a audácia do homem, porque ela conserva
sempre um fio que a une a ele, e se esse fio se quebrasse (às
vezes é muito fino, mas só uma força terrível o poderia rom-
per) seria terrível para eles (para ela e para ele).
então, quando ela está entretida a nadar ao longe, escoam-se,
por esse simples fio que liga o homem à alma, volumes e volu-
mes de uma espécie de matéria espiritual, como lama, como
mercúrio, ou como um gás - gozo interminável.
é por isso que o preguiçoso é incorrigível. nunca mudará. é
por isso que a preguiça é a mãe de todos os vícios. pois acaso
haverá coisa mais egoísta do que a preguiça?
tem fundamentos que o orgulho não tem.
mas as pessoas irritam-se com os preguiçosos.
quando os vêm deitados, batem-lhes, mandam-lhes água
fria à cabeça, eles têm de recolher a alma imediatamente.
olham-vos então com esse olhar de ódio, bem conhecido, que
se vê sobretudo nas crianças.

- henri michaux -


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- hecq -
(hypnos ii [lost for words])

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