quinta-feira, 7 de maio de 2009

franz kafka vs gavin bryars

perante a lei

há um guardião perante a lei. a esse guardião chega um homem
do campo que pede para ser admitido à lei. o guardião respon-
de-lhe que nesse dia não lhe pode permitir a entrada. o homem
reflecte e pergunta se mais tarde poderá entrar. "é possível", diz
o guardião,"mas não agora". como a porta da lei continua aberta
e o guardião junto a ela, num dos lados, o homem agacha-se
para espiar. o guardião ri-se, e diz-lhe "repara bem: sou muito
forte. e sou o mais subalterno dos guardiões. lá dentro não há
uma sala que não esteja custodiada por seu guardião, cada qual
mais forte que o anterior. já o terceiro tem um aspecto que mes-
mo eu não posso suportar". o homem não tinha previsto tais en-
traves. pensa que a lei deve ser acessível a todos os homens,
mas ao reparar no guardião com a sua capa de pele, o seu
grande nariz agudo e a sua comprida e desleixada barba de
tártaro, decide que mais vale esperar. o guardião dá-lhe um
banco e deixa-o sentar-se junto à porta. aí passa os dias e os
anos. tenta muitas vezes ser admitido e cansa o guardião com
as suas petições. o guardião estabelece com ele diálogos limi-
tados e interroga-o acerca da sua casa e de outros assuntos,
mas de uma forma impessoal, como um senhor importante, e
acaba sempre repetindo que ainda não pode entrar. o homem,
que se tinha equipado com muitas coisas para a sua viagem,
vai-se despojando de todas elas para subornar o guardião.
este não as recusa , mas declara: "aceito para que não penses
que tenhas omitido algum empenho". nos muitos anos
decorridos o homem não deixa de observá-lo. esquece-se dos
outros e pensa que este é o único entrave que o separa da lei.
nos primeiros anos maldiz aos gritos o seu perverso destino,
com a velhice, a maldição decai em queixume. o homem torna-
-se infantil, e como na sua vigília de anos chegou a reconhecer
as pulgas na capa de pele, acaba por pedir-lhes que o socor-
-ram e que intercedam com o guardião. por fim enevoam-se-lhe
os olhos e não sabe se estes o enganam ou se o mundo se
obscureceu. apenas se percebe na sombra uma claridade que
flui imortalmente da porta da lei. já não lhe resta muito que viver.
na sua agonia as lembranças formam uma só pergunta, que
não tinha proposto ainda ao guardião. como não pode incor-
porar-se, tem que chamá-lo por sinais. o guardião agacha-se
profundamente, pois a disparidade das estaturas aumentou
imenso. "que pretendes agora?", diz o guardião, "és insaciável".
"todos se esforçam pela lei" , diz o homem. "será possível que
nos anos que esperei ninguém tenha querido entrar a não ser
eu?" o guardião percebe que o homem se está a acabar e tem
que gritar-lhe para que ele oiça: "ninguém quis entrar por aqui,
porque só a ti estava destinada esta porta. agora vou fechá-la".

- franz kafka -
(ein landartz)
(tradução, menino mau)



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- gavin bryars -
(incipit vita nova)

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