quando se é jovem a sério, é-se jovem
para toda a vida.
picasso
na galilea, zurzido (e também bucólico)
cata-vento da ilha de maiorca, o espectador
conheceu uma menina de três anos com cara
de viúva. a criaturinha chama-se gildarda,
tal e qual uma infanta goda, e tem os olhi-
nhos próximos e pequeninos, o cabelo triste-
mente frouxo, as pernas curtas, o traseiro
cheiinho e circunspecto, a voz de grilo, o
gesto solene, a saíta plissada e a camisola
cor verde alface. gildarda, vendo bem, é um
nojo de miúda. gildarda nasceu viúva, tem já
três anos de viuvez; se não recebe nem um
chavo pela viuvez não é por culpa dela: os
seguros estão ainda na etapa do direito
administrativo.
gildarda e o espectador, às vezes, brincam às
cozinhas com feijões e grãos-de-bico. gildarda
é muito trabalhadeira, anda sempre bem dis-
posta e puxa o lustro aos feijões com a ponta
da combinação; então o espectador (que não há
maneira de assentar a cabeça) aproveita para
lhe dar um pontapé ou para lhe deitar água
nas costas. gildarda chora, e o espectador,
arrebanhando as suas últimas energias, conse-
gue que a consciência lhe remorda um bocadi-
nho, quase nada. gildarda e o espectador, com
as suas brincadeiras, divertem-se bastante.
há quem nasça velho e quem morra, pasmado
pelos anos, galharda ou ternamente jovem,
conforme o temperamento e o ofício. no livro
dos provérbios lê-se que a alegria da juven-
tude é a sua força; há quem nasça tendo já
abdicado sem o saber (da mesma forma que os
príncipes nascem príncipes) e há quem morra
com netos e como sem ter dado importância à
briga. para cristina da suécia, tudo o que é
fraco é velho e tudo o que é forte, novo.
se calhar um dia descobre-se que o calendá-
rio não serve para medir a idade. gildarda
é uma velhinha respeitável (embalsamável) que
acaba de nascer. quando gildarda chegar aos
seus vinte e cinco anos, à senilidade, o
espectador - se deus se dignar a tal - terá
de ser procurado nos campos onde se joga à
moeda, às caricas e à bola.
- chuta, camilo, que estamos empatados a
dezoito!
gildarda, então, gritando como uma possessa
«que horror!», «que horror!», correrá para
se refugiar na delicada sombra onde vivem,
se reproduzem e morrem os misteriosos e
cautelosos cogumelos do mais atroz esque-
cimento. pior para ela!
- camilo josé cela -
(o pé na bola ou a parábola da juventude
para toda a vida)
- yuri bonder -
(boy and girl)
- john zorn -
(a ride on cotton fair)
Sem comentários:
Enviar um comentário