o coral do grande baal
(versão de 1955)já no ventre da mãe baal cresciaestava o céu grande, baço, em acalmiacheio de portentos, jovem e sem fundocomo baal o queria ao vir ao mundoe o céu ali estava, em tristeza, alegria,quando baal dormia, era feliz e não o viade noite, ele violeta, baal embriagado:baal de manhã santo, ele desmaiadoe baal calcorreia com indiferençatascas, igrejas, hospitais sem parar,não há cansaço, minha gente, que o vença,baal arrasta o céu ao seu afundar.no meio da escumalha dos pecadoresrebola-se baal, nu, sem histeria:só o céu, mas sempre céu, senhores,imponente, a nudez lhe cobria.e a grande fêmea, a vida, que se of'recerindo àqueles que entre os joelhos apertadeu-lhe algums gozos e ele agradece.
mas baal não morreu: ficou alerta.
e quando via mortos à sua voltao prazer era sempre a dobrar.tanto espaço, diz baal, há pouca malta.tanto espaço, diz baal, dentro desta mulher.se existe deus, se deus é uma invenção,é indiferente, enquanto baal houver.mas bem mais séria é para baal a opçãoentre ter vinho ou não o ter.se uma fêmea, diz baal, tudo vos derdeixai andar, que mais não deve ter!uma mulher com homem não tem mal:mas crianças teme-as até baal.todos os vícios para alguma coisa serveme diz baal, também o homem que os tem.um vício é bom se souberes p'ra onde vais.arranja dois: um deles está a mais!não sejas sorna, que isso não dá prazer!o que qu'remos, diz baal, é o que tem de ser.se fizeres merda, diz baal, essa paradaé melhor do que não fazer nada.mas não sejas tão sorna nem tão dócilque o prazer, sabe deus, não é fácil!é preciso membros fortes, experiências:e às vezes não dá jeito a grande pança.o prazer amolece, há que ser forte.se der para o torto, deixa correr a sorte!será eternamente jovem quemnoite após noite de si der cabo, e bem.e se baal algum dia quebraralguma coisa, para por dentro a ver -é pena lá isso é, mas é a brincar,é sina a que baal não quer fugir.e se a sina for suja - pois, paciência,é de baal, dos pés à cabeça!é a sina de baal, e ele quer-lhe bem -até porque outra sina ele não tem!aos abutres anafados que no céuesperam por baal morto, ele pisca um olhoàs vezes faz que morre. a ave desceue baal, mudo, come-a à ceia com molho.no vale de lágrimas, sob estrelas de outonobaal devora vastos campos, mai mascando.depois de os limpar, baal segue cantandoaté à eterna floresta, e cai no sono.e quando o ventre escuro o chama afinal,o que é o mundo ainda? baal está farto.tanto céu sob os olhos tem baalque lhe chega de céu, mesmo já morto.e já no escuro da terra apodreciae estava o céu grande, baço em acalmiacheio de portentos e jovem e sem fundocomo baal o quis cá neste mundo.- bertolt brecht -
(baal)
- anouar brahem -
(raf raf)
lençóis
esses lençóis que aí tem
disse a velha senhora
da secção de utensílios domésticos
são para cama de casal.
tem uma cama de casal ou uma
cama de solteiro?
bem, está a ver, respondi,
a minha cama é uma cama invulgar, é
uma cama tipo corpo e
meio.
descreva a sua cama, disse ela.
o quê?
descreva a sua
cama.
preferia não o fazer, disse.
bem, disse a velha senhora, quero que
saiba que os lençóis que aí tem são
para uma cama de casal, e se tem uma cama de
solteiro, é contra a lei
estatal.
o quê? perguntei. como
disse?
eu disse, que é contra a lei
estatal.
ou seja? perguntei.
ou seja, não pode devolver esses lençóis
depois de ter aberto a
embalagem.
está bem, respondi, dê-me um par de individuais.
tratou-me então com confortável
desdém. penso que a velha senhora teria estado nos
lençóis toda a sua
vida. penso que deviam colocar raparigas jovens
na secção dos lençóis.
apesar de tudo, lençóis não me fazem pensar de todo
em dormir.
mas em algo completamente
diferente. especialmente lençóis brancos acabados de
estrear.
deviam colocar velhas senhoras como ela na secção
de comida para cão, ou na de jardinagem e
quando ela me deu os individuais eu soube que ela soube que eu dormia
sozinho. tal como
ela.
- charles bukowski -
(tradução, menino mau)
- serrah -
(empty bed)
- maserati -
(kalimera)
oh, digam-me quem foi o primeiro que anunciou, o primeiro
a proclamar que o homem só comete baixezas porque não
compreende os seus verdadeiros interesses, e que se o
instruíssem sobre esse ponto, se lhe abrissem os olhos
sobre o seu verdadeiro interesse, sobre o seu interesse
normal, tornar-se-ia imediatamente bom e generoso! e isto
pela simples razão de que, sendo inteligente, se conseguisse
conhecer o que é vantajoso, só encontraria o bem; e como
o homem não pode actuar contra o seu interesse, com
conhecimento de causa, havia portanto de conduzir-se
necessariamente bem. oh! criança inocente e pura! mas
quando se deu através dos séculos, pela primeira vez, o
caso de que o homem actuasse somente consultando o
seu interesse? não tem valor nenhum os milhões de factos
que testemunham que os homens informados, isto é,
conhecedores dos verdadeiros interesses, os desdenhame se atiram à aventura por outros caminhos onde, sem queninguém os obrigue, se expõem a riscos e a perigos, comose quisessem deliberadamente desviar-se do bom caminhopara abraçar de propósito outro mais difícil e absurdo, quehão-de procurar às cegas? é assim evidente que essateimosia e independência de acção lhes são maisagradáveis do que todas as vantagens? são capazes dedefinir exactamente a que se resume a vantagem para ohomem? e se, no entanto, pudesse acontecer alguma vezque a vantagem para o homem consistisse, e não sóconsistisse como tivesse de consistir, na circunstânciade ter de desejar-se o que é prejudicial e não o que évantajoso? se assim fosse, se pudesse dar-se um casosemelhante, a regra dos senhores ficaria anulada.admitem os senhores a possibilidade de casossemelhantes? estão a rir-se? riam-se como quiserem,meus senhores, mas respondam: os interesses do homemestão perfeitamente definidos? não há, entre essesinteresses, alguns que não foram incluídos nem poderãonunca sê-lo em nenhuma classificação? pelo que sei,os senhores traçaram a sua lista dos interesses humanosrelativamente a uma média tirada das estatísticas, dasfórmulas científicas e económicas.(...)o nosso próprio desejo, voluntário e livre; o nosso própriocapricho, ainda mais irreflectido; a fantasia desenfreada atéraiar a extravagância: eis em que consiste a vantagem,grosso modo, o interesse mais importante, que não seinclui em nenhuma classificação e que manda passeartodos os sistemas e teorias. como puderam imaginar todosesses sábios que o homem precisa de uma vontade normalvirtuosa? onde foram buscar essa ideia de que o homem sóprecisa de desejar de maneira sensata e proveitosa? ohomem só precisa de uma coisa: querer com independência,custe o que custar essa independência e quaisquer quesejam as consequências que dela derivem. mas no fim decontas, só o diabo deve saber o que o homem deseja...- fiódor dostoiévski -(o subterrâneo)
- wim wenders -(der himmel über berlin)- kaki king -(doing the wrong thing)
actor
sou um poeta,
sou um actor,
mas de manhã acordo, visto-me,
enfio os sapatos,
saio para a rua e sou como toda a gente,
e na rua passam os passantes,
olho para eles e sorrio porque passam,
e passo eu também e ninguém dá por mim.
mas depois,
na solidão do meu quarto,
abro os postigos da alma,
olho para o fundo dos subterrâneos,
e há por lá ratos,
ribeiros de diamante,
belezas, miasmas e rancores:
faço-o por mim, faço-o por vós,
porque alguém há-de ter de olhar,
e isso cabe aos poetas,
aos que procuram estrelas no fundo dos poços.
às vezes vejo figuras,
lembranças, velhacas memórias,
ou então vestígios
do que queria ser e não fui,
lívidos desejos apenas
que flutuam como bichos mortos.
o amor,
também o conheci.
tinha a forma de uma rapariga,
doce, risonha, apaixonada,
com olhos maliciosos de tão ingénuos.
também ela julgou que me amava,
e combinávamos encontros,
sempre em lugares altos,
nos miradouros da cidade;
a noite caía, e entretanto nós,
apoiados nos parapeitos,
íamos imaginando a vida que não iríamos ter.
- antonio tabucchi -
(chamam a telefone o senhor pirandello)
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- jonsi and alex -
(atlas song)
o homem da flor: (...) eu digo-lhe que preciso de me agarraratravés da imaginação à vida alheia, mas assim, sem prazer,sem me interessar nada por ela, pelo contrário... pelo contrário...para lhe sentir o fastio, para julgá-la insípida e fútil, a vida. a talponto que não deva ter importância para ninguém por-lhe umfim.com raiva contida:e era isso que era de demonstrar, está a ver? com provas eexemplos contínuos, a nós próprios, implacavelmente. porque,caro senhor, nós não sabemos de que coisa é feito, mas é que,é que, todos o sentimos aqui, como um nó na garganta, o saborda vida, sempre insatisfeita, que nunca se pode satisfazer,porque a vida, no próprio acto de a vivermos, é assim, sempreávida de si mesma, não se deixa saborear. o saber está nopassado, que permanece vivo cá dentro. o gosto da vidavem-nos daí, das recordações que nos têm amarrados. masamarrados a quê? a esta sensaboria aqui... a este tédio...a tantas estúpidas ilusões... insípidas ocupações... sim, sim.isto que agora, aqui, é uma sensaboria... isto que agora épara nós uma desventura, uma verdadeira desventura...sim senhor, à distância de quatro, cinco, dez anos, quem sabe
que sabor terá tomado... que gosto, estas lágrimas... e a vida,
santo deus, só o pensar em perdê-la... especialmente quando
se sabe que é uma questão de dias... (...)
- luigi pirandello -
(o homem da flor na boca)
- akira kurosawa-(ikiru)- anouar brahem -(talwin)
a ovelha negranum país longínquo existiu há muitos anosuma ovelha negra.foi fuzilada.um século depois, o rebanho arrependido er-gue-lhe uma estátua equestre que ficou muitobem no parque.assim, sucessivamente, de cada vez que apare-ciam ovelhas negras eram rapidamente trespas-sadas pelas armas para que as futuras geraçõesde ovelhas comuns e correntes pudessem exer-citar-se também na escultura.- augusto monterroso -
- oOMaD MonkeYOo -(pauv tache)- aaron copland -(fanfare for the common man)
manel este é prati!
vladimir: não vamos perder mais tempo com discursos inúteis!(pausa. veemente.) vamos fazer qualquer coisa enquanto podemos!não é todos os dias que somos precisos. se bem que não sejamosprecisamente nós a ser precisos. outros abordariam o problema tãobem quanto nós, se não mesmo melhor. aqueles gritos de socorroque ainda tilintam nos nossos ouvidos, foram dirigidos a toda ahumanidade! mas neste local, neste momento, nós somos toda ahumanidade, quer queiramos quer não. vamos aproveitar antesque seja tarde demais! vamos pelo menos por uma vez representarcondignamente a asquerosa raça à qual um cruel destino nosconsignou! o que é que me dizes? (estragon não diz nada.)é verdade que, quando ficamos de braços cruzados a pesar os próse os contras, não deixamos de honrar a nossa espécie. o tigreprecipita-se em socorro dos seus congéneres sem qualquerhesitação, ou então esquiva-se por entre as profundezas do mato.mas não é essa a questão. o que é que nós estamos aqui a fazer,eis a questão. e felizmente temos o privilégio de, por acaso, sabera resposta. é verdade, no meio desta imensa confusão apenas umacoisa é clara. estamos à espera que o godot venha - estragon: ah, pois é.pozzo: socorro!vladimir: ou que a noite caia. (pausa.) cumprimos o combinado,quanto a isso não há dúvida. não somos nenhuns santos, mascumprimos o combinado. quantas mais pessoas poderão dizero mesmo?estragon: biliões.vladimir: achas?estragon: não sei.vladimir: és capaz de ter razão.pozzo: socorro!vladimir: só sei que nestas condições as horas duram mais enos obrigam a iludi-las com actividades que - como é que hei-dedizer - que poderão parecer à primeira vista razoáveis, até setornarem num hábito. poderás dizer que é para evitar o colapsoda nossa razão. sem dúvida. mas será que não anda ela há jámuito a vaguear pela noite sem fim das profundezas abissais?é isso que por vezes me pergunto. estás a seguir o meu raciocínio?- samuel beckett -(à espera de godot)
- sun o))) -(richard)