a flóber
ainda me lembro. o melhor presente que tive foi sem
dúvida aquela flóber. toda a garotada da terra colaborou
no meu entusiasmo. íamos para o campo, pam pam,
pardal aqui, pam pam, pardal ali.
a única arrelia que tive com ela foi quando um dia,
sem querer, pam, acertei em cheio na tia albertina.
para castigo não me deixaram ir ao enterro.
- mário - henrique leiria -
- müm -( blai hnotturinn 9)
não deixes esse cavalocomer esse violinogritou a mãe de chagallmas elecontinuoua pintare tornou-se famosoe continuou a pintaro cavalo com o violino na bocae quando finalmente o acabousaltou sobre o cavaloe cavalgou para longeacenando o violinoe então com uma vénia deferente deu-oao primeiro nu despido com que esbarroue não se comprometeram
- lawrence ferlinghetti -
(tradução, menino mau)
- marc chagall -
(mounting the ebony horse)- beirut -(nantes)
quando entrou no camarim de antónio, ele agitava-se
febrilmente. debruçando-se sobre o enfermo, augustopegou-lhe nas mãos quentes e suadas. «pobre amigo»,
murmurou, «que posso eu fazer por ti?».
durante longos minutos o outro ergueu para ele o olhar
fixo e vazio, com a expressão de alguém que se
contempla num espelho. augusto acabou por compreendero que lhe ia pelo espírito. «sou eu, augusto», exclamoudocemente.«eu sei. és tu... mas também podias ser eu. ninguémnotará a diferença. e contudo tu és grande e eu nuncafui ninguém.»«estava a pensar nisso mesmo», disse augusto, sorriso
pensativo nos lábios. «é esquisito não é? um pouco de
tinta gordurosa, uma bexiga, uns trapos carnavalescos
- e não é preciso mais para uma pessoa se transformar
em ninguém! é o que nós somos - ninguém. e ao mesmo
tempo, toda a gente. não é a nós que eles aplaudem,
mas a eles próprios. meu velho, tenho de me ir embora,
mas antes deixa-me dizer-te uma pequena coisa que
aprendi há pouco... sermos nós próprios, unicamente
nós próprios, é algo extraordinário. mas como chegar
a isso, como alcançá-lo? ah!, eis o truque mais difícil
de todos. difícil, exactamente, porque não envolve
esforço. tentas não ser isto nem aquilo, nem grande nem
pequeno, nem hábil nem desajeitado... estás a perceber?
faz o que te vem à mão. de boa vontade, bien entendu.
porque nada há que não tenha a sua importância. nada.
em vez de risos e aplausos recebes sorrisos. pequenos
sorrisos de satisfação - e é tudo. mas é justamente o
próprio tudo... mais do que alguém pode pedir. fazendo
o trabalhinho sujo, alivias as pessoas dos seus fardos.
isso torna-as felizes, mas a ti torna-te ainda mais
feliz, compreendes? é claro que deves fazê-lo semostentação, por assim dizer. nunca deves mostrar-lheso prazer que te dá. se te deixas apanhar, se te desco-
brem o segredo, estás perdido. chamar-te-ão egoísta,
faças por elas o que fizeres. podes fazer tudo por elas
- chegares mesmo a matar-te de trabalho - enquanto não
suspeitarem que te estão a enriquecer dando-te uma ale-
gria que nunca poderias dar a ti próprio...
bem, antónio, desculpa, não vim aqui para fazer dis-
cursos. seja como for, esta noite és tu que me dás um
presente. esta noite posso ser eu próprio sendo tu.
o que ainda é melhor do que ser tu, compris?»
- henry miller -
- francis miller -- dead can dance -(the carnival is over)
não sabia como era - porém, ao primeiro vislumbredo edifício, trespassou-me a alma uma sensação de
insuportável soturnidade. digo insuportável, pois essa impressão não se deixava aliviar por nenhumdaqueles sentimentos quase aprazíveis, porquepoéticos, com os quais o espírito costuma acolheraté as mais severas imagens naturais do desoladoou do terrível. contemplei a cena diante de mim - apenas a casa e as meras característicaspaisagísticas da região - os muros sombrios - asjanelas vazias em forma de olho - uns quantoscaniços grosseiros - e uns poucos troncos de ár-vores decadentes - com uma expressão na alma detal maneira intensa que a não conseguiria compa-rar adequadamente a nenhuma outra sensação ter-restre que não à do torpor do celebrante porcausa do ópio - o lapso amargo que abre para avida quotidiana - o detestável cair do véu.sobreveio uma gelidez, um afundamento, um nau-sear do coração - uma irremível soturnidade depensamento que jamais o espicaçar da imaginaçãopoderia transformar em qualquer coisa de sublime.o que seria - parei eu para pensar - o que seriaque tanto me intimidava ao contemplar a casa de
usher?- edgar allan poe -
- current 93 -(the teeth of the winds of the sea)
uma tardeenquanto escreve, sem olhar para o mar,ele sente que a ponta da sua caneta começa a tremer.a maré passa através do cascalho.mas não é isso. não,é porque nesse instante ela decideentrar no quarto sem quaisquer roupas vestidas.sonolenta, sem ter por um momento a certezade onde está. agita o cabelo da testa.senta-se na casa de banho de olhos fechados,cabisbaixa. pernas abertas. ele vê-aatravés da entrada. talvezela se esteja a recordar do que aconteceu nessa manhã.momentos depois, ela abre um olho e olha para ele.e sorri docemente.- raymond carver -(tradução, menino mau)
- edward hopper -(rooms by the sea)- rodrigo leão -(sossego)